"Há 10 anos, os "amaricanos" eram os maus-da-fita. Tudo o que acontecia no mundo era culpa de Washington. As esquerdinhas, lideradas pelos drs. Soares desta vidinha, criaram uma América una e indivisível, um bloco sem contradições, um Belzebu com 50 estrelinhas que era preciso xingar para se criar a presunção de superioridade moral. Os "amaricanos" eram maus, e os bons eram aqueles que diziam que os "amaricanos" eram maus. E pronto. Hoje em dia, este milagre da epistemologia trocou de coordenadas. O grande Satã já não é a América, mas a Alemanha. A maior nação da Europa é o novo Belzebu, é a nova chave que tudo explica pela negativa. Como reagir a isto? Ora, é só continuar a gozar com este pensamento de taxista que está no centro das esquerdinhas. Em 2002, quando alguém começava com a conversa dos "amaricanos", a minha primeira pergunta era a seguinte: "mas estás a falar de quem? Departamento de Estado? Pentágono? Conservadores? Neocon? Liberais?". Em 2012, quando sinto os perdigotos anti-germânicos, a minha primeira pergunta é similar: "mas estás a falar de quem? Os alemães de Berlim? Os alemães da ex-RDA? Os alemães da Baviera? Estás a falar da esquerda alemã ou da direita alemã? Os alemães? O que é isso?".
Convém perceber que, tal como os EUA, a Alemanha é um bicho complexo, com diferentes tons e camadas. Para começo de conversa, estamos perante uma federação. Isto quer dizer o quê? Quer dizer que existe tensão entre os diversos estados da Alemanha. E, não por acaso, esta tensão interna lança uma nova luz sobre a política externa do gigante. Um exemplo: diversos estados da Alemanha, liderados pela Baviera, forçaram a cidade de Berlim a assinar uma espécie de memorando da troika interno. Ou seja, antes de aplicar a troika ao exterior, a Alemanha aplicou a troika a si própria. Berlim cometeu os mesmos pecados dos países do sul da Europa: acumulou uma dívida tremenda, mas não tem capacidade para a pagar. Os responsáveis berlinenses justificam a dívida com obras que transformaram a cidade numa coisa sexy. Resposta do ministro das finanças da Baviera? "Pois, Berlim é sexy, mas somos nós que pagamos". Percebe-se muito bem a irritação dos bávaros: a dívida da região de Munique é de apenas 2.600 por habitante, enquanto que a dívida de Berlim está na casa dos 18.000 euros por habitante. Berlim é, portanto, a Grécia interna da Alemanha. Um pormenor que, estou certo, não incomodará o pensamento de taxista."
retirado de Henrique Raposo - A Tempo e a Desmodo
Sem comentários:
Enviar um comentário