"Uma crónica de Margarida Rebelo Pinto, apesar de publicada no jornal Sol em 2010 (!), correu as redes sociais nos últimos dias, gerando ondas de protesto e indignação. Fiquei curioso. Decidi autoflagelar-me e fui ler.
A crónica, intitulada "as gordinhas e as outras" visava um grupo especifico que Margarida - a magra - fez questão de distinguir das demais mulheres. Basicamente a "gordinha" era retratada por Margarida como mais um "gajo" entre muitos, com a particularidade de ter uma vagina e maminhas e, de sorriso nos lábios, estar sempre disposta a partilhá-las com todos os "gajos" que consigam entornar mais do que sete vodkas (segundo Margarida, a partir do sétimo "qualquer bisonte se transforma numa mulher sexy, mesmo que seja uma peixeira com bigode do Mercado da Ribeira" - ficámos a saber como funciona o cérebro de algumas pessoas). As gordinhas "falam de sexo à mesa", "apanham grandes bebedeiras" e consomem "outro tipo de substâncias dadas a euforia" (só as gordinhas a consomem?), urinam de pé e "dizem palavrões", sempre sem serem recriminadas.
Se não achasse que a referida autora está para a escrita como o senhor Tobias, que me pintou os rodapés do corredor, está para as Belas Artes, provavelmente ter-me-ia chocado. Mas não. Depois temos "as outras", as que sabem escrever - graças a Deus. Os livros que vai expelindo aparecem nos escaparates normalmente agrafados a um brinde ou enfeitados. Um enorme laçarote, um espelho de rosto, um batom ou uma caixinha de pensos higiénicos. Em boa verdade o livro é o brinde, e não o contrário. Há que distrair os potenciais leitores, não deixá-los perceber de que há papel para além do higiénico, ou vão achar que mais valia terem gasto os quinze ou vinte euros no café da esquina a esfregar raspadinhas, ou pegado na "gordinha" e tirado a barriga de misérias num restaurante de rodízio.
Adiante. Do texto depreende-se que uma "gordinha" não pode ser uma miúda gira, é uma impossibilidade. Dois pontos para as magras. Isto porque Margarida diz ter amigas muito "bonitas" e "boazonas" e que ela mesmo, no fundinho, se considera uma tipa gira: "ser gira dá trabalho e requer alguma diplomacia" - afirma. De nada valerá dizer que há muitos "gajos" (um problema recorrente de quem só se dá com "gajos" é escapam-lhe os homens) que, mesmo com catorze vodkas em cima, não se atreveriam a cometer a proeza de tentar ter uma conversa minimamente inteligente com algumas pessoas ( e não estou a falar do excesso de álcool), quanto mais levá-las para onde quer que fosse.
O texto termina com mais uma pérola: "Como dizia a Wallis Simpson: "Never too rich, never too slim". E quanto às Gordinhas, o melhor é arranjarem um namorado. Ou uma dieta. Ou as duas coisas."
Eu acrescento, cara Margarida, como tão bem diria Walter Gropius:"o cérebro humano é como um chapéu de chuva: funciona melhor quando aberto." E dão muito jeito, uma coisa e a outra. Ter ambas é o ideal: um guarda-chuva e um cérebro."
100 reféns - Tiago Mesquita
Crónica: As gordinhas e as outras - por Margarida Rebelo Pinto
"Serve esta crónica para retratar e comentar um certo elemento que existe frequentemente em grupos masculinos e que responde pelo nome genérico de ‘Gordinha’
A Gordinha é aquela amigalhaça companheirona que desde o liceu cultivava o estilo maria-rapaz, era espertalhona e bem-disposta, cheia de energia e de ideias, sempre pronta para dizer asneiras e alinhar com a malta em programas. Ora acontece que a Gordinha é geralmente gorda e sem formas, tornando-se aos olhos masculinos pouco apetecível, a não ser em noites longas regadas a mais de sete vodkas, nas quais o desespero comanda o sistema hormonal, transformando qualquer bisonte numa mulher sexy, mesmo que seja uma peixeira com bigode do Mercado da Ribeira.
A Gordinha é porreira, é fixe, é divertida, quer sempre ir a todo o lado e está sempre bem-disposta, portanto a Gordinha torna-se uma espécie de mascote do grupo que todos protegem, porque, no fundo, todos têm um bocado de pena dela e alguns até uma grande dose de remorsos por já se terem metido com a mesma nas supracitadas funestas circunstâncias. E é assim que a Gordinha acaba por se tornar muito popular, até porque, como quase nunca consegue arranjar namorado, está sempre muito disponível para os mais variados programas, nem que seja ir comer um bife à Portugália e depois ao cinema.
À partida, não tenho nada contra as Gordinhas, mas irrita-me que gozem de um estatuto especial entre os homens. Às Gordinhas tudo é permitido: podem dizer palavrões, falar de sexo à mesa, apanhar grandes bebedeiras e consumir outras substâncias igualmente propícias a estados de euforia, podem inclusive fazer chichi de pernas abertas num beco do Bairro Alto porque como são ‘do grupo’ toda a gente acha muita graça e ninguém condena.
Agora vamos lá ver o que acontece se uma miúda gira faz alguma dessas coisas sem que surja logo um inquisidor de serviço a apontar o dedo para lhe chamar leviana, ordinária, desavergonhada e até mesmo porca. Uma miúda gira não tem direito a esse tipo de comportamentos porque não é one of the guys: é uma mulher e, consequentemente, deve comportar-se como tal. E o que mais me irrita é quando as Gordinhas apontam também elas o dedo às giras, quando estas se comportam de forma semelhante a elas.
Ser gira dá trabalho e requer alguma diplomacia. Que o digam as minhas amigas mais bonitas e boazonas que foram vendo a sua reputação ser sistematicamente denegrida por dois tipos de pessoas: os tipos que nunca as conseguiram levar para a cama e as gordas que teriam gostado de ter sido levadas para a cama por esses ou por outros. Uma mulher gira não pode falar alto nem dizer palavrões que lhe caem logo em cima. Já uma Gordinha pode dizer e fazer tudo o que lhe passar pela cabeça, porque conquistou um inexplicável estatuto de impunidade.
Porquê? Porque não é vista como uma mulher? Porque todos têm pena dela? E, já agora, porque é que quando uma mulher está/é gorda nunca ninguém lhe diz, mas quando está/é magra, ninguém se coíbe de comentar: «Estás tão magra!?»
Como dizia a Wallis Simpson: «Never too rich, never too slim». E quanto às Gordinhas, o melhor é arranjarem um namorado. Ou uma dieta. Ou as duas coisas.
sol
Entrevista do Bruno Nogueira à Margarida:
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