Os políticos têm de declarar os rendimentos ao Tribunal Constitucional. Para a transparência do exercício de cargos públicos, fomos ver as contas que prestaram.
XIX Governo
Os ricos do PSD e os remediados do CDS
Faltam ainda alguns dias para o limite do prazo e o caixote de papel destinado ao "XIX Governo" está ainda meio cheio. Os funcionários do Tribunal Constitucional (TC) só tinham recebido, até ontem, sete das 11 declarações de rendimentos dos ministros da equipa de Passos Coelho. Mesmo ao lado, o caixote do ex-governo de Sócrates está bem mais recheado (ver textos ao lado) e a tarefa quase terminada.
Pedro Passos Coelho ainda não apresentou a declaração que, por lei, deve ser entregue no TC, tornada acessível aos jornalistas e objeto de investigação do Ministério Público, caso se encontrem indícios de irregularidade. Tudo em nome da transparência do exercício dos cargos públicos e da fiscalização da atividade dos políticos que assumem funções com poder de decisão - e uso - de dinheiro público.
Os novos ministros partem para a vida governamental com uma confortável situação financeira e patrimonial. A coligação PSD/PP apresenta, porém, uma diferença: todos os ministros sociais-democratas ou independentes declararam rendimentos acima dos €150 mil anuais - salários brutos de €10 mil euros mensais - alguns mesmo acima dos €200 mil (casos de Aguiar Branco, Miguel Relvas e Paula Teixeira da Cruz). Já Paulo Portas e Mota Soares não chegam ao patamar dos €70 mil e o líder centrista é mesmo o governante que menos rendimentos obteve no ano 2010.
Vítor Gaspar, o poupado
O ministro das Finanças foi, até agora, o único dos novos governantes a anexar a sua declaração de IRS ao processo do Tribunal Constitucional. Nela se pode concluir que quem já avisou que "o orçamento de 2011 é muito exigente" tem mesmo de dar
o exemplo de dominar a arte do "controlo na gestão da despesa". Diz o ditado que "bem prega frei Tomás..." e Vítor Gaspar tem esta dura prova pela frente. A ida para as Finanças representa um corte na receita familiar de perto de 40%. De um rendimento de trabalho dependente de mais de €160 mil, como diretor do Gabinete de Conselheiros da União Europeia, Gaspar passa para um ordenado de ministro que não chegava aos €100 mil anuais e agora ainda menos chegará, graças ao imposto extraordinário que o ministro como todos os portugueses vai pagar no Natal, encolhendo para metade o subsídio para as prendas no sapatinho.
Proprietário de dois andares em Lisboa e de três carros, não se adivinham, porém, problemas de maior. Gaspar tem uma confortável almofada de poupança: em depósitos a prazo somam-se €655 mil, distribuídos por três bancos diferentes.
É, sem dúvida, o mais poupado dos ministros de Passos Coelho. Pelo menos no papel...
Mota Soares, o motard
Tiago Miranda |
O ministro da Segurança Social já é um 'cliente' habitual das declarações de rendimentos dos políticos. Diretamente do Parlamento para o Ministério, Mota Soares teve a tarefa facilitada e bastou um 'copy-paste' da sua declaração de rendimentos apresentada como deputado para cumprir a lei.
De acordo com o documento é - com o líder do seu partido - um dos ministros mais modestos deste Governo. Com um rendimento anual de €68 mil, coproprietário de um andar em Lisboa é, graças a isso, devedor à banca de um empréstimo de perto de €70 mil. Sinais exteriores de riqueza? Não há. O ministro da Solidariedade é, aliás, um dos dois únicos governantes (ver texto seguinte) que declararam não ter qualquer automóvel como património.
Mas, claro, não se esqueceu de se registar como fiel "proprietário do motociclo Piaggio, modelo M44, Vespa Lx 125". Precisamente o veículo escolhido para comparecer à cerimónia de tomada de posse, no Palácio da Ajuda.
Para a ida, claro, porque no regresso já era o carro oficial a transportar o novo ministro e a 'vespa' teve de ir para a garagem, conduzida por João Almeida, ex-colega de bancada de Mota Soares.
Aguiar Branco, o sr. Presidente
Fernando Vellludo/Nfactos |
A grande maioria das empresas é da área da distribuição e do comércio espalhadas de Norte a Sul do país -, mas a Portucel, a Semapa, Impresa ou a Áreas Portugal, restauração e distribuição, também fazem parte do rol. Aguiar Branco renunciou a todas as presidências antes de chegar ao Executivo e de ser obrigado a entrar nas guerras de orçamentos e promoções dos militares. Na lista do vasto património financeiro e imobiliário que o ministro apresenta, não consta, porém, qualquer automóvel. Admite-se que viajasse sempre em automóveis da empresa, ou da sua sociedade de advogados, no Porto.
Agora, as viaturas oficiais e dos três ramos das Forças Armadas estarão ao seu dispor, mesmo com os cortes anunciados para as despesas correntes. Com mais de €341 mil euros de rendimentos declarados em 2010, coproprietário de 14 imóveis no Porto, Braga e Guimarães e com um património bancário que ultrapassa os €400 mil, parece preparado para a enfrentar a crise.
Paulo Portas, o menino de sua mãe
Ana Baião |
O gabinete do MNE esclarece que esta é, de facto a morada fiscal de Paulo Portas, uma vez que a sua habitação é arrendada e não é nela que pretende receber as cartas das Finanças. A declaração de Paulo Portas é, aliás, parca: um único carro, uma conta solidária de €159 mil euros e rendimentos de €51.520. É o governante menos abonado.
XVIII Governo
Ninguém saiu mais pobre do Executivo
Já são 13 os ministros de José Sócrates que apresentaram as declarações de rendimentos e a caixa de papelão destinada ao XVIII Governo começa a já não ter espaço disponível. Por imposição legal, os membros de qualquer governo têm, anualmente, de apresentar esta declaração ao Tribunal Constitucional e, na altura em que cessam funções, há que, novamente, cumprir essa disposição legal.
Não espanta, assim, que os processos de José Sócrates, Silva Pereira, Teixeira dos Santos ou Mariano Gago, por exemplo, sejam muito volumosos: as declarações repetem-se durante os seis anos consecutivos de permanência no governo. Algumas são mesmo cópias fiéis umas das outras.
A intenção da lei é controlar as alterações patrimoniais de quem exerce cargos governativos, perceber se beneficiam financeiramente - ou não - com a passagem pelo Executivo. Tornar transparente e publicamente escrutinável o exercício de funções públicas. A partir de uma análise dos vários processos acumulados pelo XVIII Governo não é fácil, porém, tirar uma conclusão linear. Não há sinais de enriquecimento substancial em nenhum dos ministros analisados, seja ao longo de seis anos de governo, seja em passagens mais breves.
A conclusão de que quem vai para ministro ganha com isso, é, claramente abusiva. Mas, igualmente, está longe de se poder afirmar que quem passou pelo Executivo perdeu patrimónia e valor de experiência. Não aconteceu a nenhum dos membros da equipa de José Sócrates. Nem ao próprio primeiro-ministro, claro.
Teixeira dos Santos, o que mais perdeu
Jorge Simão |
Preto no branco, o ministro das Finanças que primeiro chocou com a crise económica optou até - sem ninguém lho pedir - por juntar informação sobre rendimentos auferidos antes de entrar no Governo. Ficamos a saber, assim, que o economista auferiu em 2000 um total de €197 mil, quase o dobro do que receberia 11 anos mais tarde como ministro da bicuda pasta das Finanças, que ocupou durante sete anos seguidos.
A acentuada quebra de receitas, no entanto, não impediu Teixeira dos Santos de aumentar o seu património imobiliário, permitindo-lhe mesmo que adquirisse o andar superior ao que já ocupava no prédio do Porto onde vivia quando chegou ao governo. Mesmo o seu património financeiro cresceu, em perto de €60 mil, apesar das oscilações dos mercados internacionais.
Só mesmo a frota automóvel - composta por dois automóveis - se manteve intacta no período governamental. O ex-ministro declarou ter um Ford, de 2003, e um BMW que comprou no ano em que iniciou funções no Terreiro do Paço.
Dulce Pássaro, a maior proprietária
Gonçalo Rosa da Silva/Visão |
Dizia-se "serena a trabalhar para o período de uma legislatura", no final do ano passado,e se o destino político lhe trocou as voltas, não parece ter problemas com isso. O salário de quadro superior da administração pública garantia-lhe, à chegada ao governo, um rendimento anual de €74,5 mil.
O salário de ministra fez-lhe subir os rendimentos para os €90 mil, mas o principal património foi-lhe transmitido por herança, existia antes de entrar no Ministério do Ambiente e continua a capitalizar. Ao todo, Dulce Pássaro declarou ao Tribunal Constitucional a propriedade - na totalidade ou em parte - de 35 itens suscetíveis de integrar o quadro do património imobiliário.
O espaço previsto para preencher a declaração mostrou-se francamente insuficiente para albergar as sete casas de habitação (entre vivendas, andares ou apartamentos) espalhados por Lisboa, Huelva, Viseu, Oliveira do Hospital ou Valpaços. Ou os lotes para construção, em Viseu e os sete terrenos espalhados pelos concelhos de Valpaços, Manteigas e Oliveira do Hospital. Tudo foi inscrito, mas em folhas anexas ao processo.
Semelhante património imobiliário não tem paralelo nos restantes membros do Governo, só podendo a ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas aproximar-se - de longe - da sua ex-colega do Ambiente. Canavilhas é coproprietária de dois apartamentos em Lisboa, de outro em São Pedro de Moel e de uma moradia no Tramagal.
Mas é a casa registada em Avis que suscita maior surpresa: com 23 assoalhadas compõe bem o espaço para registo de bens imóveis previsto pelos juízes do Tribunal Constitucional. A ex-titular da pasta da Cultura, supera, porém, a responsável do Ambiente no que diz respeito à frota automóvel. Canavilhas declarou ser proprietária de um Land Rover, um Volkswagen Golf e um Volvo S40. As preocupações ecológicas de Dulce Pássaro não lhe permitem tamanha pegada de carbono, sendo a ex-ministra proprietária de 'apenas' dois veículos de passageiros: um BMW 520i e um Mercedes SLK. Curiosamente, nenhum deles é híbrido...
José Sócrates, o mais constante
Gonçalo Rosa da Silva/Visão |
Deu entrada no Tribunal Constitucional a 20 de junho deste ano, ainda antes da tomada de posse do novo Governo de Passos Coelho, que só viria a decorrer no dia seguinte...
As diferenças entre o primeiro-ministro de chegada e o primeiro-ministro de saída são pequenas e nada substanciais. De um rendimento auferido por trabalho dependente no valor de €89,6 mil, Sócrates passou para rendimentos de €104 mil, correspondentes ao ano de 2010, o que equivale ao salário do chefe de Governo.
Passou ainda da profissão de "engenheiro" para a de "licenciado em Engenharia Civil" e o leque de diferenças termina por aqui.
Já as semelhanças, pelo contrário, são quase totais: a mesma casa, na Rua Braancamp, o mesmo automóvel Mercedes 230SL, o mesmíssimo património financeiro, traduzido em €2500 investidos em ações do Sport Lisboa e Benfica compõem a ficha de José Sócrates. Nos anos de governação, o ex-primeiro-ministro apenas terá conseguido saldar o empréstimo à habitação, contraído junto da CGD e no valor de €15 mil, que deixou de constar entre a declaração de 2006 e a de 2011.
O modelo de constância do primeiro-ministro é seguido, de perto, pelo ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira. Sempre considerado muito próximo de José Sócrates e membro permanente do seu núcleo político, o ministro da Presidência também não sofreu quaisquer alterações patrimoniais ou financeiras com a sua passagem pelo Governo.
Manteve a casa em Birre, onde vivia antes de chegar ao Governo, o mesmo Citroën C5, as mesmíssimas carteiras de títulos e poupanças, o mesmo património em certificados de aforro.
Só o empréstimo à habitação sofreu a redução das sucessivas prestações mensais, assim como os rendimentos que passaram dos €55,3 mil euros correspondentes ao salário de deputado, para os €90 mil devidos a um ministro em exercício de funções.
Isabel Alçada, as receitas de autora
Entrou na 5 de Outubro como coproprietária de um andar em Lisboa e com parte de uma herança familiar que inclui sete outras frações em prédios de Lisboa, Colares e Sintra. Com depósitos e investimentos bancários superiores a €300 mil euros, manteve todo o património sem grandes alterações ou acrescentos. Só mesmo os rendimentos do trabalho dependente sofreram um decréscimo significativo.
Como professora, investigadora e responsável do Plano Nacional de Leitura, declarou ter obtido rendimentos de perto de €60 mil, em 2010. Pelo governo recebeu, como ministra um total anual bastante inferior, não chegando aos €60 mil. A que se juntam as receitas inerentes ao pagamento de direitos de autor, que se mantém mais ou menos constantes. Com a edição das suas coleções de "Uma Aventura", em coautoria com Ana Maria Magalhães, a ex-ministra da Educação bateu recordes de vendas e conquistou uma faixa de leitores cada vez mais jovem.
Os efeitos do sucesso fazem-se sentir nos rendimentos, tornando-a uma das autoras mais bem-sucedidas do país. Recebeu a título de direitos de autor. €49,8 mil, em 2010, contra €46 mil, na altura em que deu entrada no Governo.
Texto publicado na edição do Expresso de 20 de agosto de 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário